James Brandon Lewis Quartet – Molecular

O uso de meios diagramáticos para a representação pictórica de conceitos ou fenómenos de elevada complexidade é um método frequentemente usado em ciência. Esta simplificação, consumada através da redução de uma ideia aos seus constituintes fundamentais, é alcançada através do uso de regras previamente definidas que permitem, não só, a óbvia construção do próprio diagrama, mas também a sua desconstrução nos argumentos racionais que o constituem, possibilitando, assim, a formulação de uma interpretação lógica a partir de um simples conjuntos de traços. São vários os exemplos de tais diagramas: veja-se, por exemplo, os célebres diagramas de Feynman ou os mais antigos diagramas de Lewis. Não obstante, porventura menos comum será o uso deste tipo de diagramas (ou apenas de conceitos científicos) na composição musical, algo a que James Brandon Lewis recorreu para a realização deste Molecular, uma edição da Intakt Records em que o saxofonista tenor se apresenta em quarteto juntamente com Aruán Ortiz (piano), Brad Jones (baixo) e Chad Taylor (bateria e mbira).

Nas suas composições, Lewis aplica o conceito de “música molecular sistemática” que, segundo o próprio, “é uma abordagem dupla à música através da influência da biologia molecular com referência aos componentes estruturais do DNA […] [em que a primeira parte] abrange os aspectos harmónicos do sistema, enquanto que a segunda metade do sistema está relacionada com os aspectos rítmicos […].” . Neste ponto, talvez seja importante relembrar que a complementaridade de bases nucleotídicas é a chave lógica da estrutura do DNA, isto é, visto que, assumindo idealidade, um nucleótido de adenina está sempre emparelhado com um nucleótido de timina, assim como um nucleótido de guanina está sempre emparelhado com um nucleótido de citosina, basta apenas sequenciar-se uma das cadeias que forma a dupla hélice do DNA para a outra estar, por complementaridade, automaticamente deduzida. Mas Lewis vai mais além nesta saga pela conceptualização da sua música, relacionado “a ideia de informação implícita com a da própria percepção auditiva que é influenciada pela identidade cultural”, outro conceito com óbvios paralelos à estrutura em dupla hélice do DNA, ou, até mesmo, com fenómenos mais obscuros, como, por exemplo, o entrelaçamento quântico. 

A busca pela estrutura subjacente à música do saxofonista e compositor remete-nos, inicialmente, para o seu álbum Divine Travels (2014), no qual Lewis desenvolveu um sistema rítmico – denominado “enclosed” – onde “uma frase rítmica inicial sobrevive como o motivo principal das frases subsequentes.” Ademais, para este Molecular, Lewis avançou na sua teoria musical fazendo corresponder os quatro tipos de acordes básicos – maior, menor, aumentado e diminuído – às quatro bases do DNA – adenina, guanina, citosina e timina -, o que lhe permite, assim, através da representação pictórica das possíveis correspondências entre “bases”, usar diagramas no seu processo composicional visto que estes representam todas as possíveis relações harmónicas contidas num conjunto de tons. Fantástico, não é? A percepção, intuitivamente ignorada, da lógica subjacente à música. Lewis não sente, no entanto, que o uso da racionalidade no seu método de composição seja limitante pois apenas está ditada a priori a “informação harmónica”.

Molecular começa com “A Lotus Speak”, tema em que a inicial consonância entre o piano e o saxofone tenor diverge numa memorável e pujante improvisação de Lewis. Já “Of First Importance” frena o quarteto, que aqui vagueia por paisagens bucólicas e nostálgicas. “Helix” parte de notas do saxofone tenor que parecem ser submetidas a um “reverse effect” para uma sequência de solos protagonizada por cada elemento do quarteto. Nos temas “Per 1” e “Per 2” apercebemo-nos de uma das ideias de que Lewis fala em notas de apresentação, na qual “dentro de uma linha melódica emerge uma contra-linha de variados ritmos, tons e harmonias.”, com as interacções entre o saxofone e o piano a serem exemplos claros desse padrão. “Molecular” regressa a territórios mais emocionais, repletos de ternura e sensibilidade, num tema entregue em compasso ternário e pontuado por fantásticas improvisações de Lewis e Ortiz, que assumem o papel de interlocutores principais em ”Cesaire” e “Neosho”, respectivamente. Em “Breaking Code” a bateria assume uma atitude mais rock, num ritmo de 4/4 que forma a base para um dos temas mais acessíveis – mas, também, mais bonitos – do álbum. “An Anguish Departed” desenvolve-se através de intrincadas intervenções de Ortiz, firmemente acompanhadas pela secção rítmica que segura os devaneios do pianista. Por fim, Lewis remata o disco com “Loverly”, outra maravilhosa balada que repõem a ordem e termina o álbum de forma familiar e confortável.

Apesar dos interessantes conceitos músico-científicos que Lewis aplica nas suas composições, o que mais nos preenche os ouvidos neste Molecular é mesmo a excelência da música e das interpretações de todos os instrumentistas. A audição do álbum flui suavemente, com momentos de pura inspiração e profundidade emocional a serem alternados com improvisações enérgicas que avançam a narrativa e nos fazem a ela ficar rendidos. Um álbum fantástico e, indubitavelmente, um dos grandes discos do ano. 

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